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26 de Abril de 2024

É constitucional lei estadual que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento

Publicado por Cleodemir Martins
há 5 anos

Resumo do julgado

É constitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias façam o corte do fornecimento de água e luz por falta de pagamento, em determinados dias.

Ex: lei do Estado do Paraná proíbe concessionárias de serviços públicos de água e luz de cortarem o fornecimento residencial de seus serviços por falta de pagamento de contas às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado. Também estabelece que o consumidor que tiver suspenso o fornecimento nesses dias passa a ter o direito de acionar juridicamente a concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o corte.

STF. Plenário. ADI 5961/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2018 (Info 928).

Comentários do julgado

A situação concreta foi a seguinte:

O Estado do Paraná editou a Lei 14.040/2003 proibindo concessionárias de serviços públicos de água e luz de cortarem o fornecimento residencial de seus serviços por falta de pagamento das contas às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado.

A Lei também estabeleceu que o consumidor que tiver suspenso o fornecimento nesses dias passa a ter o direito de acionar juridicamente a concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o corte.

Veja a redação da Lei:

Art. 1º Ficam, as empresas de concessão de serviços públicos de água e luz, proibidas de cortar o fornecimento residencial de seus serviços, por falta de pagamento de suas respectivas contas, às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado.

Art. 2º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento nos dias específicos no artigo anterior, fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o referido corte.

Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

ADI

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) ajuizou ADI contra esta Lei afirmando que ela ofenderia o art. 22, IV, da CF/88, que estabelece que a competência para legislar sobre os serviços de energia elétrica é privativa da União:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

Assim, haveria um vício formal.

O STF concordou com o pedido?

NÃO. O STF julgou improcedente o pedido e decidiu que a referida lei é constitucional:

É constitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias façam o corte do fornecimento de água e luz por falta de pagamento, em determinados dias.

STF. Plenário. ADI 5961/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2018 (Info 928).

Direito do Consumidor

O STF entendeu que a referida lei dispõe sobre Direito do Consumidor, de modo que não há vício formal. Isso porque Direito do Consumidor é matéria de competência concorrente, nos termos do art. 24, V e VIII, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

V - produção e consumo;

(...)

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

DOD PLUS

Vejamos algumas outras informações importantes sobre este tema:

A relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor final é uma relação de consumo? Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor para esse contrato?

SIM. A relação entre concessionária de serviço público e o usuário finaldos serviços públicos essenciais, tais como energia elétrica, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1061219/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 22/08/2017.

Serviços públicos essenciais devem ser contínuos

O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial.

Os serviços essenciaissão contínuos e, em regra, não podem ser interrompidos.

A continuidade é uma das características do serviço público adequado (art. , § 1º da Lei nº 8.987/95 e art. da Lei nº 13.460/2017).

É possível o “corte”no serviço de energia elétrica em virtude de inadimplemento do consumidor?

SIM. Mesmo sendo um serviço essencial, em caso de inadimplemento do consumidor é possível o corte do serviço de energia elétrica. Isso, no entanto, será feito com base em determinados critérios.

Corte em caso de débitos decorrentes do consumo regular (atraso normal de pagamento)

É possível a suspensão do serviço de energia elétrica pelo não pagamento de conta regular?

A resposta é sim.

É permitido o corte da energia elétrica do consumidor quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Para isso, no entanto, antes de fazer o corte, a concessionária é obrigada a comunicar o consumidor, ou seja, exige-se aviso prévio.

Essa possibilidade está prevista no art. , § 3º, II, da Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões de Serviços Públicos):

Art. 6º (...)

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção (...) após prévio aviso (...):

(...)

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Vale ressaltar que essa suspensão no fornecimento é permitida mesmo que o corte no serviço atinja um órgão ou entidade que preste serviços públicos à população. É o que diz a Lei nº 9.427/96 (Lei das Concessionários de Energia Elétrica):

Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.

Duas observações quanto a isso:

1) Não se admite o corte para débitos antigos (consolidados)

Importante deixar claro que não é permitido que a concessionária suspenda o fornecimento do serviço se os débitos forem antigos (consolidados no tempo). Repito: o corte de serviços essenciais, como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo:

O corte de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, sendo inviável, portanto, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos.

STJ. 1ª Turma. AgRg no Ag 1320867/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/06/2017.

Se o débito é antigo (ex: estamos em dezembro/2018) e a dívida é de janeiro/2018, a concessionária deverá buscar a satisfação de seu crédito pelas chamadas “vias ordinárias de cobrança” (exs: protestar o débito, inscrever nos cadastros restritivos, propor ação de cobrança etc.).

O corte do serviço por dívidas antigas ofende o art. 42 do CDC:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

2) A obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter rem)

Ex: Carlos compra a casa de João. Ocorre que João vendeu a casa, mas deixou um débito de três meses da conta de energia. A concessionária ingressou com uma ação de cobrança contra Carlos alegando que, como comprou a casa, passou a ser o devedor, considerando tratar-se de obrigação propter rem. Para piorar o cenário, a concessionária suspendeu o fornecimento de “luz”.

A concessionária não agiu corretamente neste caso. Isso porque o débito de energia elétrica (assim como o de água) é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. Não se trata, portanto, de obrigação propter rem. Desse modo, o consumidor não pode ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de energia elétrica utilizado por outra pessoa (em nosso exemplo, João).

A obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia, não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço.

STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02/02/2017.

Lei do PR não impediu o corte de forma absoluta

Vale ressaltar que a Lei do Estado do Paraná não impediu, de forma absoluta, que a concessionária fizesse o corte dos serviços em caso de inadimplemento. Se a lei estadual tivesse feito isso, seria inconstitucional por afrontar o que prevê a lei federal a respeito do tema.

O que a lei estadual fez foi estabelecer que esse corte não pode ser realizado em determinados dias nos quais ficaria difícil para o consumidor regularizar a situação, o que agravaria ainda mais a sua situação.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É constitucional lei estadual que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1fdc0ee9d95c71d73df82ac8f0721459>. Acesso em: 04/02/2019

@cleodemir

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4 Comentários

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Cuidado, colegas! Entendimento ***superado*** em conformidade com o informativo 928 do STF! continuar lendo

Em quais horários podem ser feito o corte de água ou luz? continuar lendo

Parabéns pela excelente explanação! Minha vizinha sofreu um corte ontem sexta feira, as 17h, ja conhecia um pouquinho dessa lei e sabia que era proíbido, fui até o local e falei com os funcionários da Copel que aquilo que estavam fazendo era ilegal, tive que enfrentalos e não deixei, eles chamaram a polícia e eu tmb liguei pro 190, quando os policiais chegaram, expliquei a situação e falei da lei, mesmo assim eles falaram pra eles que poderiam sim fazer o corte, tenho o BO, filmagens da situação e até a gravação da minha ligação pro 190, que o atendente não sabia da lei, falei pra ele sobre ela e se ele pudesse no período pesquisala antes da chegada dos policiais, ele foi estupido e não quis saber de nada, aí os políciais que chegaram no local nunca ouviram falar dessa lei, numa situação assim, qual seria a forma mais correta de proceder? continuar lendo

é só seguir o que está estipulado no art. 2º da Lei 14.040/2003

Art. 2º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento nos dias específicos no artigo anterior, fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o referido corte. continuar lendo